Relato sobre seu chamado à Vocação Religiosa e Francisclariana e sua resposta radical ao seguimento de Jesus Cristo, Pobre e Crucificado
Sou a décima terceira dos 15 filhos do casal de colonos JOSÉ LUIS WELTER e EMILIA WELTER, descendente de alemães em terceira geração. Meu nome de batismo é TEREZINHA WELTER.
Sou a décima terceira dos 15 filhos do casal de colonos JOSÉ LUIS WELTER e EMILIA WELTER, descendente de alemães em terceira geração. Meu nome de batismo é TEREZINHA WELTER.
Meus pais radicaram-se com a família na pequena cidade de SELBACH, cujas terras foram adquiridas em 1897, do Governo Federal, pelo Coronel
Jacob Selbach Junior, formando-se o núcleo inicial de colonização em 1905. Em
pequenos lotes, no meio da floresta nativa que cobria toda a região, produziam:
milho, feijão, trigo, fumo, mandioca e batatas. Os compradores que se
candidatavam a adquirir lotes do Coronel Selbach, deviam preencher exigências
importantes e quase imprescindíveis, quais sejam:
1- Ser agricultor (colono): deviam as famílias se comprometer,
realmente, a iniciar o desmatamento do seu lote, e em pequenas roçadas,
instalar uma agricultura rudimentar de subsistência.
2- Ser Católico: como houve núcleos de colonização com discriminação
religiosa, quis o Coronel Selbach fazer a revenda de suas terras somente para
os católicos. Um local demarcado já fora destinado para a construção da
primeira Capela e da primeira Escola, as quais assegurariam a convivência
religiosa, cultural e tradicional, conservando a população coesa.
3- Preferencialmente ser alemão (Fonte: conf. Internet).
Nós, os WELTER,tendo por
princípios irredutíveis o amor ao trabalho, a honestidade e uma grande fé em
Deus, morávamos a 4 km da Igreja da Vila Selbach e do Colégio das Irmãs de
Notre Dame, onde só se falava o alemão e era ensinada a religião pela catequese
diária. Era escola particular, a única na cidade.
Na Escola paroquial o Padre dava a catequese. Um dia perguntou ele às
crianças, entre elas, eu, TEREZINHA WELTER, quem gostaria de
ser padre ou freira. Mais da metade quis. Eu, entretanto, não apontei o dedo, e
ele me perguntou por quê. Respondi que queria me casar com um fiscal (Isto
porque vinha a cada 2 ou 3 meses a esposa de um fiscal fazer visita à nossa
cidade. E eu ficava encantada. Achava bonito que ela sempre podia viajar,
vestia-se muito bem, usava jóias, brincos, colares anéis e pulseiras. Na minha
simplicidade ela era o ideal da mulher invejável). O Padre, um franciscano
idoso, coçou a cabeça. Nessa região todos os padres eram franciscanos.
Com 12 anos, quis ir com as Irmãs Franciscanas, para o Convento onde já
estava (e está ainda hoje) minha irmã de sangue, a Irmã Carmem, para ficar
freira. Pedi a minha mãe. Mas ela disse que não, porque naquele ano
já haviam se casado três irmãos e seria muito penoso abrir mão de mais uma
filha. Mandou que eu esperasse completar 13 anos. Quando fiz 13 anos mamãe me
disse que podia ir, mas aí eu não queria mais, não sentia mais o desejo de ser
religiosa. Passara o entusiasmo (ou o momento da graça?) Minha mamãe foi para o
quarto e chorou muito, sentindo-se culpada. Ela não me disse isso, mas eu sabia
que era assim.
Então, na minha adolescência e juventude, gostava muito de ir a bailes,
gostava de dançar, queria namorar, andar bem arrumada; sempre fui muito vaidosa
e ainda almejava um marido importante (o tal fiscal, pessoa de certa projeção
social).
Com 18 anos, viajei para o Paraná. Fui visitar meus irmãos. Eram 2 dias
e 3 noite de viagem de trem. Com essa idade meus pais davam às filhas permissão
para fazer permanente nos cabelos e eu sonhava com esse momento. Custava-me não
ganhar licença para fazer permanente, mas o papai não gostava que fizéssemos.
Agora o papai tinha deixado! Ia arranjar um namorado!
Então, em Londrina, fomos ao banco. Tinha perto uma igreja. Fomos até
ela. E quando entramos, a mim me parecia que era a primeira vez que entrava
numa Igreja!... Não sei dizer o que tinha dentro dela no que se refere a
móveis, imagens, decoração, etc. Não saberia descrevê-la!... Ao sair, na praça,
percebi a presença de alguém, olhei para traz, e vi que da igreja estava saindo
uma Irmã de Schenstat. Parecia que Jesus me dizia: é isto que quero que você
seja: Irmã!... Eu, uma Religiosa! Mas, e o casamento com o fiscal... as
viagens... as jóias?!...
Aquilo ficou profundamente gravado na minha mente. Era uma apenas
percepção interior, mas tão forte como se tivesse recebido uma ordem! Um doce e
irrecusável convite!
Não disse a ninguém. Levei ora mais sério, ora menos sério. Mas,
desinteressei-me por namorados, bailes, festas. Até os freqüentava, mas não
tinha mais interesse. Quebrou-se todo aquele encantamento que me fascinava e
atraía.
Ficava rezando o terço. Padre Tomas Karsten, nosso grande e querido
amigo, que era o Pároco e tinha morado com ele uma irmã de sangue, Herta,
sugeriu que visitasse as Irmãs de Notre Dame, no qual, mais tarde entrou
Emilia, minha irmã caçula. Achava bonito quando ia lá, mas ao sair me
desinteressava, porque era de vida ativa. Tinha que dar aula ou ter uma função
pastoral comum a elas. Não era só rezar.
Padre Karsten, um dia, fez uma palestra sobre Santa Tereza, carmelita,
para as Filhas de Maria (eu era uma delas). Me entusiasmei. Achei bonito.
Padre Karsten recebia muitas revistas da Alemanha. Entre elas, uma
trazia notícias com fotos da fundação de um Carmelo. Notei que o Coro, o
Refeitório e o Dormitório das Irmãs não eram individuais, mas comum a todas
elas. Aí senti gosto! Separei a revista, meio disfarçada para não denunciar meu
interesse. Percebi em mim a mesma sensação interior que tive na igreja, em
Londrina! O Padre Karsten, pastor atento às suas ovelhas, percebeu isso. Pediu
a revista de volta sem dar explicações.
Achei que eu queria ser carmelita! Então Deus quer isso?! Preciso rezar
para descobrir! Falei depois com Padre Karsten, sem dizer nada em casa. Ele
escreveu ao Carmelo oferecendo uma vocacionada. A resposta veio numa carta
muito pequena, dizendo que eram divididas em classes de coristas e conversas.
Não gostei. Até a roupa era diferente. Também ele não viu interesse delas. A
resposta tinha sido muito breve, seca, ficando claro que havia discriminação.
Eu, entretanto, tinha toda confiança no Padre Karsten. Naquela época, em
Selbach, era o Padre que escrevia encaminhando os pedidos das vocações do
lugar. Apareceu outra vocacionada. Ela pediu para ele escrever para as Irmãs
Clarissas. Elas logo responderam uma carta grande... mostraram muito
interesse... mandaram fotos do Mosteiro... eram alemãs... mandaram logo um
questionário junto... Eram da Gávea, no Rio de Janeiro.
A vocacionada desistiu. O Padre, então, não escreveu respondendo às
Irmãs Clarissas. Depois de um mês, elas mandaram outra carta registrada, mais um
questionário, mais fotos. Isto aconteceu entre o Natal e Ano Novo.
Eu estava com ele e sua irmã Herta em sua casa. Depois do jantar ele leu
esta carta para mim e Herta. Disse: “eu acho que você iria ficar muito mais
feliz nas Clarissas que no Carmelo. Mas a opção é sua”. Respirei fundo... e
aquela mesma sensação interior percebida primeiro na igreja, e depois quando vi
aquela revista, se fazia sentir novamente. Agora renovada e fortemente
presente! Ali foi feita a minha decisão. Já havia lido algumas vezes sobre os
franciscanos.
Contei meus planos a meus pais. Antes mamãe me tinha dito que achava que
eu iria ser carmelita: “Ah! se todas fossem carmelitas... não teria que me
preocupar com vocês!”. A essa altura, 10 das minhas irmãs já estavam casadas.
Relutante mamãe me disse: “você não pode esperar seu pai e eu morrermos?”
Respondi firme: “Mamãe, as outras cuidam de vocês”.
Assim fui ser Clarissa, com 21 anos. Lembro-me perfeitamente... Sai de
casa dia 16 de maio de 1951... chovia muito. Fui com o Padre Karsten, Herta, e
algumas Irmãs para Carazinho, para no dia seguinte tomar o avião às 8 horas
para o Rio de Janeiro. Tinha muita cerração e o avião estava bastante atrasado,
mas não fomos avisados disso.
Esperava pacientemente com o Padre Karsten, sua irmã Herta, e minha irmã
Vitória. Às 10 horas avisaram que o avião só chegaria às 11 horas. Então o
Padre teve que nos deixar antes do embarque, porque ele tinha um compromisso de
presidir uma Missa às 10 horas. E era em outra cidade.
As Irmãs Clarissas iriam me pegar no aeroporto, conforme combinado. Mas
quando cheguei não tinha ninguém! Estava completamente só... Numa cidade grande
e desconhecida. E não tive medo! Tomei um taxi. Informei o endereço, mas o
taxista não sabia o caminho... Parava sempre para perguntar. Disse-me que era
natural de Porto Alegre. Fiquei tranqüila, confiante e confortada. Afinal era
meu conterrâneo, então era gente de bem! Olhando, curiosa para tudo, vi um
ônibus escrito “Gávea”. Aí ficou fácil, era só segui-lo! Chegamos numa esquina,
e encontramos o nome da rua, ele me levou até o Mosteiro: eram 7 horas da
noite. O avião era da Varig, talvez de carga, e fizera muitas escalas. O portão
do Mosteiro já estava trancado. Gritei uma saudação em alemão... a Irmã ouviu e
entendeu que podia abrir sem receio. O taxista levou minha bagagem até o
locutório (Mais tarde ficou esclarecido que na carta entenderam que chegaria
dia 24 de maio e cheguei dia 17).
Levada ao Locutório externo não disse quem eu era. Não via as Irmãs nem
elas me viam porque estavam atrás da cortina. Então falei em alemão.... a
cortina foi aberta. Eram a abadessa Madre Juliana e a Mestra, Madre Agnela,
que, surpresas, vieram me receber.
Dormi fora da clausura. No dia seguinte, na Missa foi grande e bela
minha surpresa: o Padre que presidia a celebração tinha sido Pároco em Selbach.
Surpresa providencial e confortadora presente de amor do Amado... encontrar
alguém conhecido, do tempo da escola de Selbach.
Entretanto, para entrar na clausura, tive antes que ir à cidade
providenciar documentos que faltaram... Não gostei! Entrei em pânico! Queria
voltar para casa! Senti um forte impulso de retornar a Selbach. Se não fosse
tão longe, teria voltado. Que saudade da mamãe e do papai! Não tinha mais nada
que me atraia naquele lugar! Nem vocação! Nada, absolutamente! Mas, sem opção,
entrei para a clausura... Não estava alegre... Entrei na cela, chorei
muito, muito, nem podia falar, era só choro! No dia seguinte, na Missa, todo
mundo tinha ouvido que chorara muito... alto... muito mesmo...
A Madre me chamou para falar com Padre Eduardo. Ele riu e me consolou.
Ainda hoje trago gravadas no coração as últimas palavras que mamãe me
disse, quando saí de casa, querendo consolar-se: “Quando de nossas bodas de 50
anos de casados, você vem, não é?”
Respondi: “se ganhar licença...” Não menti. Mas a dúvida gerou para ela
esperança. Mas eu sabia que nunca mais voltaria, porque naquela época, antes do
Concílio Vaticano II não se dava licença para retornar à casa paterna. Mas esse
foi um grande consolo para mamãe: alimentou sempre a esperança de que voltaria
a visitá-los. Entretanto, o dia das bodas não chegou para eles: ambos faleceram
antes de completar 50 anos de casados. E ainda hoje, sinto grande conforto e
estou feliz de saber que eles morreram com a certeza de que eu obteria licença
e poderia ainda visitá-los em casa.
Deus seja louvado por seu grande amor misericordioso que nos consola em
todas as nossas aflições e não nos deixa ser tentados acima de nossas
possibilidades.
Obrigada, Senhor por vosso Amor e pelo dom da Santa Vocação
Francisclariana. Esses 60 anos de Vida Religiosa não foram meus, mas são seus!


